O GRITO DAS PEDRAS

De repente, não sei bem porquê, passou-me sob olhos esta fotografia... as ruínas da glória imperial, nas colónias do Oriente.
E lembrei-me de ir ao meu diário buscar a página de seis de Outubro:
Se estes se calarem, até as pedras hão de gritar (Lc 19, 40).
É evidente que o contexto não nos deixa muito espaço de manobra na interpretação das palavras de Jesus:
Ele, segundo o hábito dos profetas, cujos gestos eram tão eloquentes como os seus discursos, às vezes mais provocantes do que eles, decide fazer uma entrada solene na Cidade Santa, que todo o judeu venera como realidade e símbolo, entre o que de mais sagrado tem a sua fé. Fé que adora um Deus próximo, empenhado na história dos homens.
As crianças entusiasmam-se e cantam... os zelosos guardiões do Templo, que permitiam a ruidosa presença dos comerciantes de gado, escandalizam-se, mais por inveja – era Jesus que toda aquela gente louvava – do que por zelo real.
Lembram a Jesus o carácter extravagante da cena e querem que Ele mande calar as crianças.
A resposta do Mestre parece óbvia, tão óbvia que se lê quase sempre esquecendo o carácter profético de toda a cena, que, como qualquer profecia, tem vários níveis de leitura e interpretação.
Jesus, os discípulos, o jumentinho com a jumenta, a Cidade Santa, as crianças, o Templo, o escândalo dos bons... O silêncio dos homens e o grito das pedras.
Mas as pedras não chegam a gritar, porque o silêncio querido pelos fariseus não chegou a existir.
Agora, imaginemos o que aconteceria se, no contexto da cena, os homens se calassem. E podiam calar-se por inúmeros motivos: por falta de atenção, por ignorância, por comodismo, preguiça ou má vontade.
Teríamos o grito das pedras, porque há silêncios que se tornam intoleráveis pelas injustiças que directa ou indirectamente promovem.
O trágico é que tal grito se mistura com sangue e lágrimas de pessoas inevitavelmente esmagadas, de valores irremediavelmente perdidos, de sonhos desfeitos na madrugada da concretização.
Além de que, quando gritam as pedras, os homens tornam-se menos lúcidos, e mentira mascara-se mais facilmente de verdade.
E quem não falou na altura devida, talvez esperando pelo grito das pedras, torna-se responsável por esse sangue e por essas lágrimas.