resistencia

Sunday, February 19, 2006

NO LUGAR DO ESSENCIAL






Refugiado da intempérie – o vento empurrava a chuva, teimosa e fria - em luta permanente contra os protestos do corpo e as distracções da alma, por ali me deixei ficar, entre a solidão dos muros inóspitos e o anonimato da multidão, que cantava acenando lenços brancos.
Lenços brancos… Primeiro para saudar a urna que trazia os restos mortais da que afirmara ter visto ali a Senhora, que a prima dizia ser mais brilhante do que o sol, e lançara no mundo uma inquietação sem precedentes, proclamando que a mesma Senhora lhe dissera que a origem de todos os males estava no esquecimento da seriedade do amor com que Deus nos ama.
Oitenta e nove anos, enquanto o mundo reincide nas mesmas loucuras, já não é a voz simples, sem rodeios literários, mas firme, de uma criança de onze anos que repete os avisos do Céu: são os seus restos mortais, encerrados numa caixa desprovida de adornos especiais, que clama, ainda com mais firmeza, porque este nosso pobre mundo está mais dependente do supérfluo, que só Deus basta, como dizia já a Santa fundadora do instituto no seio do qual os últimos cinquenta oito anos da sua vida.
Os lenços brancos… acenam agora à imagem da Senhora… que vem e que vai.
E regressa à capelinha, com o mesmo sorriso magoado que nos contaram as três crianças, finalmente juntas, na frieza do sepulcro e na veneração dos fiéis… Só falta que estes tomem mais a sério o recado do Céu.
O recado do Céu…
Cantado o Salve Regina, todos dispersam… eu com mais rapidez, para escapar a olhares indiscretos, encontros pouco adequados ao tormento de alma que ma nascia desta lembrança do recado do Céu.
Porque Fátima é algo de muito mais sério do que essas questões em que teimosamente a envolve a comunicação social, muitas vezes com a conivência dos crentes, cujos responsáveis se perdem frequentemente com o acidental, a propósito de um santuário, que, como qualquer outro e mais do que qualquer outro, é o lugar do essencial.