resistencia

Wednesday, May 27, 2009

PARA RECOMEÇAR



Desagravar Camões

Dedico este post àquele amigo que, a uma proposta de reflexão poético-mística , a partir destes versos do nosso épico, me respondeu peremptoriamente: “não quero cá esse gajo”.

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana
.
(Os Lusíadas: I, 1-6)

Grande Camões! Perdido nas malhas de um temperamento indomável, atormentado por sonhos irrealizáveis, esquecido dos que a sua Musa engrandecera, pobre, doente... sem registos credíveis do seu nascimento e da sua morte, cinzas dispersas pela fúria dos tempos e a ingratidão dos homens.
Nem a Pátria, que te engoliu a saúde e o génio, se deu alguma vez conta do que valeste para ela.
Estou a ler o início do teu imortal poema, cuja única desgraça, no dizer de um dos teus mais autorizados intérpretes, foi ter sido escrito em português. Ainda que o mesmo estudioso afirme que nos resta a consolação de saber que, no século XVI, uma obra assim só poderia ter sido escrita em português.
E foi.
Porque foram portugueses – lusíadas – os homens, na sua maioria anónimos, que encarnaram essa tua visão da história humana: uma viagem fascinante, atormentada, cruel e gloriosa, permanente encadear de factos em que a pessoa se ultrapassa a si mesma, no bem e no mal... porque marcado pelas limitações da criatura a que também chamaste “bicho da terra tão pequeno”.
E tenho pena, confesso, que, exactamente nestes dias em que se fala tanto de ti, se esqueça a tua mensagem, que não é apenas poética: o verdadeiro futuro, essa utopia de um festim em que o tempo se confunde com a eternidade, e os tormentos passados se convertem em felicidade indizível, como acontece na ilha que Tétis prepara para os heróis, é dos que, não se resignando ao que promete a força humana, se lançam por mares nunca dantes navegados e vão além da Taprobana.