resistencia

Friday, March 06, 2009

INTOLERÂNCIA MASCARADA




Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. Disse-lhe ele: ‘O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.’ Encolerizado, não queria entrar (Lucas: 15, 25-28a).

Como o irmão mais velho

Confesso que levei muitos anos a perceber onde quis chegar o redactor do terceiro evangelho, ao descrever-nos, através dos seus gestos, a figura do “irmão mais velho”, cujo diálogo com o pai encerra a belíssima parábola, dita, ainda que impropriamente, “do filho pródigo”: este, que talvez não tenha tido a alegria de ver o irmão na festa que o pai fez pelo seu regresso.
Era porque a princípio situava demasiado este capítulo de Lucas no quadro das disputas com os fariseus.
Mais tarde, quando me fui dando conta de que a parábola se destina sobretudo a pôr em realce a misericórdia divina, que só atinge os que, de facto, reconhecem precisar dela, comecei a dar mais importância a figuras que, como a do filho mais velho, que nunca deu nenhum desgosto ao pai, não eram puro ornamento, figuras secundárias sem importância no desenvolvimento global da narrativa.
Depois, vieram os factos, falo só do que observei e meditei, quase sempre sozinho: o escândalo de muitos católicos do ocidente, quando, em plena guerra fria, João XXIII, dando sequência a gestos mais discretos do seu antecessor, iniciou aquilo a que se deu, por analogia, talvez injusta, o nome de “ostpolitik” do Vaticano. Paulo VI veio a seguir, com o estender da mão aos dissidentes que, após o Vaticano II, talvez com demasiada ingenuidade, haviam confundido as coisas, misturando Gramsci e o seu eurocomunismo, com o afã de actualização – aggiormento – que caracteriza a dinâmica mais genuína do Evangelho.
Aliás, Paulo VI foi também o primeiro Papa que, depois do século XI, teve a coragem de se deslocar à Grécia e abraçar uma das figuras mais importantes da Igreja Ortodoxa, declarando, ao mesmo tempo, sem efeito a excomunhão deixada sobre o altar de Santa Sofia, em Maio de 1054, pelo legado do papa Leão IX, Humberto de Silva Cândida.
Também então se ouviram vozes discordantes, no interior da Igreja, que me fizeram pensar naquele filho mais velho, escudado na sua tranquilidade de consciência.
O que acontece é que sendo estes gestos dos papas como que sinais de uma viragem à esquerda, o escândalo foi menor, devido ao complexo hoje dominante em todos sectores culturais, políticos e religiosos, da nossa Europa decadente.
Quando, porém, João Paulo II tomou a iniciativa de procurar as ovelhas tresmalhadas do outro lado, da área mais conservadora, o alarido foi muito maior, e as incompreensões mais profundas e difíceis de ultrapassar: para alguns católicos, que me pareceram ainda mais intolerantes do que os lefebrianos, nem a cisão entretanto surgida no seio adquele movimento e que trazia consigo sinais de esperança, serviu para desculpar o Papa.
Agora Bento XVI, coerente com o dinamismo que imprimiu ao seu pontificado, como fizera já com a questão dos modos de celebrar a Eucaristia, tira aos discípulos mais radicais do arcebipo rebelde o pretexto de que se serviam para não se aproximarem de Roma... e parece que o Papa provoca um cataclismo na Igreja.
E não me venham com a hipocrisia da referência à entrevista, aliás mal lida, de um dos beneficiários... uma entrevista que, intencionalmente, os seus autores só tornaram pública na altura da decisão papa, quase três meses depois.
Faz-me pena, não que os políticos manipulem os factos à medida dos seus interesses, mas que os cristãos de consciência limpa, como aquele filho mais velho que nunca saíu da casa paterna, na hora de festejar o regresso do pródigo, façam coro com eles.