resistencia

Tuesday, February 17, 2009

A MINHA HOMENAGEM


Apenas uns óculos

Corria o ano de mil novecentos e cinquenta. Eu entrara alguns meses antes para o Seminário... uma casa enorme, já então pouco adequada à pedagogia da formação humana e sacerdotal a que se destinava.
Um edifício único, onde se chagava criança ou nos alvores da adolescência e donde se saía, quando se perseverava, o que acontecia em pouco mais de15% dos casos, homem feito e sacerdote carregado de sonhs.
Era quinta-feira, dia da semana dedicado às actividades extra-escolares, que incluiam educação física, sessões culturais da parte da manhã, passeio e futebol da parte da tarde.
Hora da ginástica. O Senhor Carlos da Silva, assim nos refríamos nós, os mais novos, aos “maiores”, que frequentavam o Seminário Maior... O Senhor Carlos Silva estava no grupo cujos exercícios eu observava, com mais admiração do que curiosidade.
Ineperadamente saiu em direcção a mim e confiou-me os óculos, que aceitei sem perguntas, até porque ele não me deu tempo para elas.
Fiquei dividido entre a vaidade e o temor: como é que aquele “grande” olhara para um miúdo, que até aí não se tornava notado senão pelos defeitos, que o faziam sentir-se tão mal na sua pele?
Entre a vaidade e o temor, passava os óculos de uma mão para a outra, a tremer, não sei se de alegria se de temor... e, de repente, não sei como nem porquê, vejo-me com os óculos feitos em duas metades, segurando em cada mão uma haste, com o respectivo aro.
Na memória desse momento ficou-me a sensação de uma catástrofe, que não soube classificar, mas que me fez sentir vontade de desaparecer para sempre: não era só o desejo de me esconder, era um sentimento de quem experimenta total incapacidade perante ciscunstâncias, tão desumanas quanto inesperadas.
Fugi dali, andei não sei por onde, atré que o proprietário dos óculos – o Senhor Carlos da Silva -me encontrou à saída da capela e, perante o meu balbuceio – não sei como foi isto, mas eu pago – respondeu com um sorriso: deixa lá, eu colo isso. E retirou-se agradecendo, com outro sorriso, ainda mais aberto, mais franco, o meu serviço... como se eu tivesse feito garnde coisa.
Foi o regresso à nomalidade do mundo, que estivera do avesso por alguns momentos, ao mesmo tempo, tão curtos e tão extensos, como a eternidade.
A referência aos óculos surgiu ainda outra vez, com uma frase que era como uma carícia de quem percebera o desarrazoado em que eu caira, à noie, no ensaio da “schola cantorum”, na qual eu desempenhava, com os seminaristas da minha idade, o papel de soprano.
Passaram os anos, multiplicaram-se os episódios, alguns particularmente compelxos.
Trabalhámos juntos mais de três décadas; várias vezes estivemos em desacordo.
E se nunca consegui desfazer a distância que a idade punha entre nós, a memória que me ficou do episódio dos óculos foi sempre a grande construtora dos pilares que seguravam a ponte, essa sim, construída pela sua enorme capacidade de transpor obstáculos de relacionamento humano.
Depois fui apreciando o artista, que era também um crente sem complexos; às vezes incompreendido na seriedade com que encarava o serviço litúrgico e a sua missão de formar para ele. A sua fé era viva, tão profunda quão transparente.
E as melodias que continuamente lhe ouvíamos, dentro e fora dos seus aposentos, foram para mim sempre como um clarão nas trevas que tantas vezes, certamente por culpa minha, se me atravessavam naqueles corredores imensos, demasiado frios para o tarbalho que aí se nos pedia.
Querido Dr, Carlos, não sei durante quanto tempo vou ainda ficar por aqui: mas posso garantir-lhe que a lembrança do episódio de há cinquenta nove anos, cruzando-se com a memória das suas músicas e da unção com que as executava e fazia executar, ajudar-me-á, não só a rezar por si – se é que precisa -, mas a continuar rezando esta vida, para o que Deus queira que a conserrve.
Um abraço. Até breve.


A


Saturday, February 14, 2009

PARA NÃO CALAR DE TODO



Jurei a mim mesmo que não falaria do assunto, pelo menos para já. Tenho vindo a cumprir o juramento, apesar de não estar seguro de que seja a atitude mais correcta, sobretudo quando se vão multiplicando os discursos e os gestos tendentes a cobrir uma imensa hipocrisia, que se foi estendendo, envolvendo tudo e todos, até aqueles de quem nunca se esperaria tal coisa.
Isto não é ainda a quebra do juramento: é apenas a oferta, para quem queira recebê-la, da partilha de um raio de luz que me chegou, via ZENIT, da América do Sul.
O sacerdote Aldo Trento é, desde 1989, um dos missionários mais conhecidos da Fraternidade de São Carlos Borromeu do Paraguai. Tem 62 anos e é responsável por uma clínica para doentes terminais, em Assunção.
Em 2 de Junho passado, o presidente da República Italiana, Giorgio
Napolitano, havia-lhe conferido o título de Cavaleiro da Ordem da Estrela
da Solidariedade.
Na quarta-feira passada, o sacerdote devolveu a condecoração
a Napolitano, por não ter assinado o decreto que teria detido o protocolo
médico para Eluana Englaro.

«Como posso eu, cidadão italiano, receber semelhante honra, quando o senhor Presidente, com sua intervenção, permite a morte de Eluana, em nome da República Italiana?».
«Tenho mais de um caso como o de Eluana Englaro: Penso no pequeno Víctor, um menino em coma, que aperta os punhos; a única coisa que fazemos é dar-lhe de comer com a sonda. Diante destas situações, como posso reagir frente ao caso de Eluana?»

«Ontem trouxeram-me uma menina nua, uma prostituta, em coma, deixada na
porta de um hospital; chama-se Patrícia, tem 19 anos; nós lavámo-la e
limpámo-la. E ontem ela começou a mexer os olhos».
«Celeste tem 11 anos, sofre de leucemia gravíssima, não havia sido tratada
nunca; trouxeram-na para mim, a fim de que fosse internada. Hoje Celeste
caminha. E sorri.»

«Levei ao cemitério mais de 600 destes enfermos. Como se pode aceitar
semelhante operação, como a que se fez com Eluana?»
«Cristina é uma menina abandonada numa lixeira; é cega, surda, treme quando a
beijo, vive com uma sonda, como Eluana. Não reage, só treme, mas pouco a
pouco recupera as faculdades».
«Sou padrinho de dezenas destes enfermos. Não me importa a sua pele
putrefacta. O senhor Presidente haveria de ver com que humildadeos meus médicos tratam deles.»

Aldo Trento diz experimentar uma «dor imensa» pela história de Eluana
Englaro: «É como se me dissessem: agora vamos levar daqui os seus filhos
doentes».

Para este missionário, «o homem não se pode reduzir a uma questão química».
«Como pode o presidente da República oferecer-me uma estrela da
solidariedade no mundo? Por isso a levei à embaixada italiana no Paraguai.»

«Aqui o racionalismo cai, deixando espaço ao niilismo. Dizem-nos
que uma mulher ainda viva já estaria praticamente morta. Mas então é
absurdo também o cemitério e o culto à imortalidade que animam a nossa
civilização.»

Junto a fotografia de uma jovem, antes e depois do coma, no qual esteve durabte seis meses.