VOLTANDO ATRÁS
Volto àquela questão das perguntas sobre a fé de cada um. Não é ainda para discutir o significado da palavra crente na linguagem dos jornalistas, mas para partilhar com os visitantes do meu blogue, caso tenham paciência para me ler, alguns pensamentos que me nascem do cruzamento da memória daquela entrevista com as imagens de uma página do Evangelho.
Aqui vai um extracto da página que tenho meditado mais nos últimos dias:
Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és um profeta! Os nossos antepassados adoraram a Deus neste monte, e vós dizeis que o lugar onde se deve adorar está em Jerusalém.
Jesus declarou-lhe: mulher, acredita em mim: chegou a hora em que, nem neste monte, nem em Jerusalém, haveis de adorar o Pai. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus (Jo 4, 19-22).
A primeira tentação que me veio, ao recordar aquela pergunta do entrevistador da rádio à escritora, foi a de identificá-lo com a samaritana, ao inquirir do judeu que lhe pedira de beber, que pensava ele daquela velha questão, que opunha judeus e samaritanos, como uma das raízes fundamentais dos ódios que os separavam.
Depois, meditando mais longamente sobre a narrativa joanina, dei-me conta das diferenças: e, assim como não posso identificar a escritora, naquele diálogo, com o judeu que, à hora da sesta, cansado do caminho, pede de beber uma mulher samaritana, também seria muito mau identificar com esta o entrevistador curioso; ele que, como pude concluir pela sequência da entrevista, se identificava com a entrevistada, não pela necessidade que tinham ambos de um acolhimento verdadeiro e dignificante, mas pela má vontade em relação a uma terceira realidade, que poderíamos designar, em termos genéricos, pelo enquadramento institucional da comunidade crente.
Não vem aqui ao caso discutir as causas dessa má vontade, nem mesmo do direito de ambos a encontrar quem os ajude a superar essa má vontade, que, enquanto má, é contrária à dignidade humana.
Temos de nos ater ao contexto da entrevista, igual a tantas outras em que são profícuos os meios de comunicação social: não há nele nenhuma dinâmica de acolhimento, porque ninguém se apresenta com sede ou fome dele, ao contrário do que acontece junto do “poço” de Jacob, onde os dois protagonistas, cada qual a seu modo, começam por pôr em comum a respectiva sede, esperando que seja o outro a satisfazê-la.
É claro que quem pede primeiro de beber é o que tem uma sede mais profunda, porque mais humana, nascida, não apenas da violência dos raios solares e da dureza do caminho, mas da consciência dos aleijões de que são vítimas as pessoas que ao longo dele se encontram.
A samaritana só começou a perceber a verdadeira dimensão da sua sede, quando alguém, no momento em que lhe mostra que pode ser útil, a leva a descobrir que, afinal, do que precisa não é tanto da água do poço, como do dom de Deus, que se lhe apresenta na figura de um judeu que, sem deixar de o ser, deita por terra o judeu das tradições e preconceitos em que ela própria tinha sido criada.
Em que ficamos, afinal?
Se alguém, na rua ou noutro sítio, me perguntar se sou crente, devo responder sim ou não?
Creio que sim ou não, são dois advérbios demasiado curtos, na forma e no conteúdo, para dizerem tudo o que pode encerrar uma resposta, positiva ou negativa.
O que eu diria, e esta é a grande lição da narrativa joanina, é que me falta ainda libertar-me de muita coisa para recuperar a capacidade de espanto que, ao identificar a samaritana com as crianças inocentes, a torna igualmente capaz de descobrir, naquele que lhe pede de beber, o Messias, o Salvador do mundo, como dirão aquelas que ela traz aos pés de Jesus.
Isso impedir-me-á também de cair na cumplicidade que verifiquei naquele diálogo, jornalista/escritora: pergunta-se, não para aprender, mas para terçar armas em conjunto contar algo.
Nestes casos, Jesus, que encontrou muitos no seu caminho, também não respondia, a não ser indirectamente, deixando indicações especaiais para os seus discípulos.
Jesus declarou-lhe: mulher, acredita em mim: chegou a hora em que, nem neste monte, nem em Jerusalém, haveis de adorar o Pai. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus (Jo 4, 19-22).
A primeira tentação que me veio, ao recordar aquela pergunta do entrevistador da rádio à escritora, foi a de identificá-lo com a samaritana, ao inquirir do judeu que lhe pedira de beber, que pensava ele daquela velha questão, que opunha judeus e samaritanos, como uma das raízes fundamentais dos ódios que os separavam.
Depois, meditando mais longamente sobre a narrativa joanina, dei-me conta das diferenças: e, assim como não posso identificar a escritora, naquele diálogo, com o judeu que, à hora da sesta, cansado do caminho, pede de beber uma mulher samaritana, também seria muito mau identificar com esta o entrevistador curioso; ele que, como pude concluir pela sequência da entrevista, se identificava com a entrevistada, não pela necessidade que tinham ambos de um acolhimento verdadeiro e dignificante, mas pela má vontade em relação a uma terceira realidade, que poderíamos designar, em termos genéricos, pelo enquadramento institucional da comunidade crente.
Não vem aqui ao caso discutir as causas dessa má vontade, nem mesmo do direito de ambos a encontrar quem os ajude a superar essa má vontade, que, enquanto má, é contrária à dignidade humana.
Temos de nos ater ao contexto da entrevista, igual a tantas outras em que são profícuos os meios de comunicação social: não há nele nenhuma dinâmica de acolhimento, porque ninguém se apresenta com sede ou fome dele, ao contrário do que acontece junto do “poço” de Jacob, onde os dois protagonistas, cada qual a seu modo, começam por pôr em comum a respectiva sede, esperando que seja o outro a satisfazê-la.
É claro que quem pede primeiro de beber é o que tem uma sede mais profunda, porque mais humana, nascida, não apenas da violência dos raios solares e da dureza do caminho, mas da consciência dos aleijões de que são vítimas as pessoas que ao longo dele se encontram.
A samaritana só começou a perceber a verdadeira dimensão da sua sede, quando alguém, no momento em que lhe mostra que pode ser útil, a leva a descobrir que, afinal, do que precisa não é tanto da água do poço, como do dom de Deus, que se lhe apresenta na figura de um judeu que, sem deixar de o ser, deita por terra o judeu das tradições e preconceitos em que ela própria tinha sido criada.
Em que ficamos, afinal?
Se alguém, na rua ou noutro sítio, me perguntar se sou crente, devo responder sim ou não?
Creio que sim ou não, são dois advérbios demasiado curtos, na forma e no conteúdo, para dizerem tudo o que pode encerrar uma resposta, positiva ou negativa.
O que eu diria, e esta é a grande lição da narrativa joanina, é que me falta ainda libertar-me de muita coisa para recuperar a capacidade de espanto que, ao identificar a samaritana com as crianças inocentes, a torna igualmente capaz de descobrir, naquele que lhe pede de beber, o Messias, o Salvador do mundo, como dirão aquelas que ela traz aos pés de Jesus.
Isso impedir-me-á também de cair na cumplicidade que verifiquei naquele diálogo, jornalista/escritora: pergunta-se, não para aprender, mas para terçar armas em conjunto contar algo.
Nestes casos, Jesus, que encontrou muitos no seu caminho, também não respondia, a não ser indirectamente, deixando indicações especaiais para os seus discípulos.