resistencia

Monday, October 16, 2006

DIMAS, O JUMENTINHO



Não, bonito não é, apesar da graça que lhe dá o ser pequeno e muito jovem.
Diria até que, visto de certos ângulos, é mesmo um animal feio.
Mas gosto de descer aos terrenos cobertos de relva onde ele se diverte retouçando a erva fresca... para burro, não é pequena liberdade deixá-lo comer assim, porque o demasiado verde, sabemos que faz mal aos da sua espécie.
Não sei se me considera um desses, se não: porque logo que me aproximo dos espaços do seu lauto banquete, ele ergue a cabeça, põe em riste as orelhas, que, se não fossem de burro, seriam desproporcionadas, vem para mim, mais com ar de divertimento que de curiosidade.
E, visto assim, de frente, com toda a sua aparelhagem de comunicação em funcionamento – orelhas, olhos, narinas e focinho global (falta apenas abrir as goelas e zurrar) – tem quase o ar de pessoa que se quer meter comigo, comunicar algo de importante.
Reparo que dá bem pelo nome que lhe puseram há meses, quando lhe deram as honras, certamente mais merecidas que as que se concedem a alguns humanos que por lá passam, de um programa televisivo.
Chama-se Dimas, o jovem burro.
Não sei qual foi a ideia dos que lhe puseram este nome: certamente não quiseram homenagear o “bom ladrão”, que descobriu a tempo em Cristo o verdadeiro caminho da felicidade; talvez tenham pensado nos que confundem a felicidade com o prazer de roubar. Prazer para o qual inventaram nomes adequados a todas as classes sociais e todas as situações.
Dimas, o burrito dos jardins do nosso parque, tem ar de me dizer que deixe de me inquietar: que não perca a serenidade com pensamentos tão complicados.
Assim como assim, não será por entreter-me com reflexões profundas que vou deixar de ser burro. E tenho o prejuízo de outros comerem a relva de que me distraio pensando.

Sunday, October 15, 2006

A FORÇA DE UM MANDATO



Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros (João 15, 16-17)»
Estas palavras de Jesus ficam muitas vezes na sombra das que as precedem: não fostes vós que me escolhestes.
E se é certo que não devemos ficar parados na advertência de que não fomos nós que escolhemos o Senhor, que os dons de Deus são dons por isso mesmo, porque não tínhamos direito a eles, não é menos verdade que Ele tudo nos dá com um objectivo. Dom e missão são inseparáveis.
É importante recordar a cada momento que não foi nossa a iniciativa sem a qual nem sequer existiríamos: nem como seres, nem como homens, nem como cristãos. Mas não podemos ficar pr aqui, sob pena de cairmos no mar encapelado das revoltas e dos desesperos que marcam a vida de tantas pessoas, nomeadamente no mundo pos-moderno da Europa deste início do terceiro milénio.
Mais importante do que saber que não fomos nós que escolhemos o Senhor, é saber que foi Ele que nos escolheu. Escolheu, quer dizer: somos o resultado de uma preferência, já como seres... porque em vez de nós, de qualquer de nós, há um número infinito de seres possíveis.
Depois, como não podia deixar de ser, tratando-se de Deus, essa preferência, essa escolha traz consigo uma missão, um objectivo concreto, para realizar o qual, o mesmo Deus dispôs de muitos subsídios, que concede, uns com o próprio ser, outros ao longo da vida, consoante a nossa fidelidade e as necessidades da missão.
A missão!
Fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça.
A ir e a dar fruto.
Nas últimas décadas, os ambientes eclesiásticos têm cultivado uma forma de analisar a posição da Igreja perante o mundo contemporâneo, ou deste perante a Igreja, que parece ter esquecido por completo esta e outras precisões de Jesus sobre a vocação cristã.
Com gáudio dos defnsores de um secularismo total, passa-se rapidamente da dúvida ao medo, dos fracassos, que se analisam mal, ao pessimismo... como se já não houvesse nada a fazer. E, afinal, está tudo por fazer.
E somos nós que temos de fazê-lo: não com os meios que o mundo nos oferece; esses precisamente que, pela sua ineficácia, fazem nascer a ideia de que não vale a pena.
Se foi Ele que nos escolheu, e escolheu-nos para isto, como podemos ainda hesitar.
Frutos?
É absolutamente certo que os teremos: destinei-vos para ir e a dar fruto, e fruto que permaneça.
O Senhor diz ir e dar fruto. Não diz ir e colher fruto.
Vejamos se não está aqui o grande equívoco das nossas tácticas erradas e dos nosso desânimos?

Saturday, October 14, 2006

Diante do Crucifixo


Ao retomar este blog, após as férias, aos amigos que me lêem, pensando especialmente na Inês, que acaba de passar por momentos difíceis, do meu diário ofereço esta página, escrita num dia particularmente doloroso:

E Eu, quando for erguido da terra, atrairei todos a mim. (Mateus: 12, 32).
Todos, Senhor?
Não vês quantos corações feridos, magoados pela vida, que se lhes tornou num peso insuportável, enchem as ruas das nossas cidades, a caminho do desespero?
Claro, meu Jesus, meu Deus... é porque não Te conhecem, não Te encontram como eu Te encontrei, a meio da via dolorosa, para que também acabam de me atirar a mim, não a vida, que me deste com tanta generosidade, mas as circusntâncias em que me calhou vivê-la.
Obrigado, meu Deus!
Ver-Te pregado nessa cruz – suprema ignomínia de uma humanidade que não aceita o incómodo de amar até ao fim – dá-me um especial conforto nesta hora difícil:
Saber que o Deus em que acredito se fez verdadeiramente homem, assumindo da minha natureza tudo o que é compatível com a Sua divindade, incluindo o medo perante o sofrimento e o desejo de afastá-lo na medida do possível, dá-me mais coragem do que os milagres, que parecem às vezes introduzir excepções para servir a nossa curiosidade, quando não a nossa cobardia.
E que milagre maior do que o de um Deus que Se deixa matar para salvar a vida dos Seus carrascos?
É verdade Senhor: que loucura a minha, sempre em ânsias de auto-defesa, quando o que importa é amar até ao fim: amar a verdade das coisas, mas sobretudo a verdade do homem, que emerge de forma espectacular nesse Teu modo de ser solidário com os que sofrem... mormente quando o sofrimento é injusto, mais da alma que do corpo.
Como o que produz as lágrimas – que conforto, Senhor, saber que também choraste! – que venho derramar diante de Ti, não para Te pedir que me tires o sofrimento, mas para que me ajudes a viver nele a lógica do amor que Te mantém amarrado a essa cruz.