Thursday, July 30, 2009

PARA O ANO SACERDOTAL



O texto que se segue tem quase dezasseis anos e não é pura fantasia: nasceu num momento extremamente doloroso.
Ao relê-lo, entre a festa litúrgica de dois antos, pareceu-me oportuno torná-lo público mais umas vez - esta é a segunda publicação - no ano sacerdotal, como sinal de gratidão para com tanta alma santa e desconhecida das multidões, que ajuda os padres a serem amis padres.
Sem ruído de palavras, o grito dos corações que amam
Eram os pinhais da minha infância! Terrenos acidentados, encostas e vales, as quebradas que haviam escutado os primeiros gritos de revolta e os sonhos duma adolescência atribulada, empurrando para a frente a juventude, que ali, nos inícios da década de cinquenta, se tornava verdadeiramente estranha, intrigante, até para mim.
Agora passava por aqueles caminhos novos, sorria aos sonhos de há quarenta anos e misturava a saudade com os ecos felizes do encontro de família onde todos queríamos gozar a recordação das origens: celebravam-se os anos, de nascimento, de vida matrimonial, de recepção do sacramento da Ordem, tanta efeméride que se desejava manter viva. Parei no cimo da colina, e quando me vi só, recordando a festa e as suas motivações, pensei que havia necessidade de fazer silêncio.
Isso mesmo: calar a festa, para que nos não esqueçamos de agradecer a Deus. Porque tudo nos vem d’Ele, até a possibilidade de recordar com alegria datas históricas que às vezes os acidentes da vida ou a maldade dos homens transformam em marcos dolorosos. Calem-se os ruídos da alegria, para que nos não esqueçamos das raízes dela.
***
Depois, foi o correr normal dos dias: eram ainda as férias, mas diluindo-se já no choque das labutas e dos interesses que as provocam. Vieram os ruídos: o homem troca a alegria de conviver pela crueldade de ferir. Voltei àqueles pinhais, aos vales e às encostas do berço, sem o qual não consigo aguentar a cama de adulto. E apeteceu-me gritar, com mais força ainda: cale-se o alarido do escândalo, para que vejamos a nossa maldade!
Não sei como foi. Há tanta coisa nesta vida que foge quando queremos analisá-la...
Mas era inconfundível aquele sorriso: num rosto que não poderei nunc esquecer, porque pertence à paisagem da minha adolescência desencantada, quando o era, tão habilidosa combinação da alegria com a dor.
Estaa ali, ao virar da esquina, como há vinte, vinte e cinco, trinta anos... isso, trinta anos exactos, animando-me a prosseguir, porque me não faltaria o fogo do amor de Deus que lhe ardia no coração nem a caridade das orações que esse mesmo fogo inspirava.
Deitei a mão ao bolso e encontrei, entrte os papéis que lançara nele semanas antes, algumas notas rabiscadas de outros apontamentos íntimos:
Eu quero passar a minha vida sofrendo pelos pecadores e pelos sacerdotes.
Palavras de uma jovem de vinte e poucos anos, que, quatro décadas mais tarde, quando a doença a retinha no leito de dor, longe de Jesus Sacramentado, escrevia de novo: Senhor, se me fosse possível, passaria este dia junto do sacrário a pedir-Vos pela Santa Igreja... Aceitai este dia, meu Jesus, pelos sacerdotes, pelos Vossos Padres, pelo Santo Padre. ÓMaria, Rainha do Clero, ajudai os Padres, para que sejam Santos, para que a Santa Igreja renasça com mais esplendor.
Tive vontade de chorar, porque me senti, mais uma vez, profundamente indigno de uma Igreja que tem almas tão grandes. Mas vi de novo esse encantador sorriso de dor e alegria. E pensei que estava a ser cobarde, dissimilando o medo com a máscara da humildade.

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