A TRAGÉDIA DA ARANHA
A história, muito adornada com imagens de todo o tipo, encheu de encanto a minha adolescência, um pouco perdida na floresta de sonhos que quase a esmagavam, retardando o corte das amarras que a impediam de superar-se a si própria.
Era uma vez… começava o pregador – esquecia-me de dizer que estávamos em retiro, (o “retiro anual”, que, nesse tempo, durava cinco dias completos) –era um vez uma jovem aranha que, no seu afã de autonomia e aventura, depois de percorrer bosque em busca de um espaço para se instalar, segundo as exigências da sua natureza de sugadora de insectos voadores, escolheu uma preciosa clareira, onde, pondo em acção toda as capacidades da sua juvenil tecnologia, instala uma teia que, a uma altura suficiente para não sofrer os embates dos animais de vista baixa – entre os quais ela incluía o homem – poda aprisionar precisamente os insectos de sangue mais fresco.
E aranha, instalada na sua teia, que revistava com frequência, reparando algum fio mais gasto pelas caçadas que favorecia, foi engordando, engordando, engordando… mas foi também perdendo a memória, que diminuía na proporção em que aumentava o seu peso. Esqueceu-se, por conseguinte, de muitos procedimentos absolutamente necessários à sua manutenção. E começou a querer modernizar a teia, eliminando dela tudo o que lhe parecia pouco consentâneo com o progresso das técnicas aracnídeas mais avançadas.
Neste afã de modernizar, cada vez mais desmemoriada, começou também a cortar os fios que não sabia como justificar: foi cortando, cortando, cortando… até que um dia, a teia, sem as amarras que a sustinham no alto, veio parar ao chão. A pobre aranha, tão gorda e velha como estava, nem chegou a perceber o que lhe acontecera. Ficou para ali, à espera do primeiro passante, que, distraído com os seus próprios objectivos, a esmagaria impiedosamente.
Procurei reconstituir a narração da fábula, contada naquele retiro, já não me recordo exactamente a que propósito (estou a ficar um pouco como a aranha).
Não me recordo a que propósito foi contada, mas devo dizer que ela me vem insistentemente à memória, perante o que se está a passar nesta Europa, que alguém classifica de rica, velha, gorda e estéril.
Quem tiver ouvidos para ouvir ouça.
2 Comments:
E na França já começa a ser esmagada, essa Europa velha e gorda! Talvez seja a selecção natural a funcionar! :-)
Pois, meu caro Migo, foi a pensar na França que escrevi este blog.
AP
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