Wednesday, November 23, 2005

Optimismo e esperança

Copio uma das páginas mais recentes do meu diário, para não edixar este espaço mais tempo sem algo meu: «Ligo o carro, e ouvem-se ainda as últimas palavras do communio, ... quia pius es... Depois entra a voz solene do barítono – libera me... – o coro, os outros solistas... e sinto que tenho de reorientar os pensamentos que me animam, no momento em que inicio a viagem de regresso a casa, depois daquela tão reconfortante partilha de ideias e projectos de vida espiritual.
Assim, quase sem esforço, torna-se-me claro como a perda da visão cristã da morte pode falsificar toda a nossa vida: porque, se não pensamos nela, vendo-a à luz da fé, acabamos por tomá-la como o que não é: ou tragédia sem remédio, ou esconderijo para não viver a vida em plenitude.
Continuo a viagem: Fischer Diskau, Victoria de los Angelis, Fauré... o criador e os intérpretes... Sinto necessidade de agradecer a Deus o génio que concedeu aos artistas e esta capacidade de me emocionar, de sentir a beleza da música... mas mais ainda, a graça de poder rezar com ela.
E na oração, quase sem dar por isso, o espírito vai-se ocupando de coisas tão sérias como a de o pensamento da morte poder transformar-se numa tentação... Tentação que, na nossa cultura, dominada pela absolutização das coisas efémeras, se esconde por detrás do medo da morte; que não deixa de ser um enorme tabu, pelo facto de se começar a falar dela: como aconteceu com o sexo, talvez se fale tanto pra banalizá-la, para se não ver o seu real significado.
Isto é: hoje, o comum das pessoas pensa na vida como se ela fosse o fim; vive-se sofregamente, porque se não tem esperança: a morte é o último fim, a queda no abismo do nada, que tem de se adiar o máximo, procurando mesmo não pensar nela, já que tal pensamento inquina os poucos dias de que podemos usufruir.
Os crentes seguem o caminho inverso: meditam frequentemente na morte para não perderem nunca de vista o que dá sentido à existência de todos e de cada um. Meditam na morte para se não esquecerem da Vida.
Para nós, urge recordá-lo uma e muitas vezes, a felicidade não tem nada de obsessivo ou angustiante: é apenas o cuidado de não delapidar o tempo, moeda insubstituível na conquista da eternidade.
É daqui que brota a radicalidade cristã vivida pelos santos e à qual todos somos chamados.
Leio e copio:
Mas a “radicalidade” não é “fundamentalismo”: não há nada de rígido na vida cristã autêntica; pelo contrário, a “perfeição evangélica” não admite “perfeições”; nada é perfeito e bastante para quem ama. Admite fraquezas, defeitos, quedas, e pecados até; o que não admite é conformismo, nem desistências, nem desânimos. É um romance de amor que só aceita um final feliz: a plena união com Deus. (Boletim do Oratório de São Josemaria, Novembro de 2005).
E fico a pensar na multidão de pessoas que conheci já – desde o lar onde aprendi os valores essenciais da vida, e onde se rezava todos os dias pelos mortos, cujos nomes, quando deles falávamos, se faziam sempre seguir de um belíssimo “que Deus haja” (os mais velhos diziam, “Deus lhe perdoe”, e eu ainda era jovem quando se começou a dizer, “que Deus tem”)... fico a pensar nessa multidão de pessoas que viveu e vive assim a sua condição humana e cristã. E sinto invadir-me uma onda de optimismo e esperança, porque, apesar dos pesares, o mundo não está tão mau como parece.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Não. Não está tão mau como o pintamos. Mas os nossos depósitos de esperança tornam-se sempre mais pequenos do que a vida que temos ou do que o nosso pensar sobre a vida requer.
Também acho que Deus me tem. Posso não compreender o porquê (ou até compreendo - é o Amor).
Eu é que fico a ganhar! :-)

10:48 AM  

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