ENTRE A FRUSTRAÇÃO E A SAUDADE


Fim da manhã de um lindo dia do Inverno Romano! Boa compensação para a chuva e o frio que ultimamente nos têm atormentado: adivinha-se esta preciosa claridade solar através dos janelões que dão para o pátio borrominiano – os italianos chmam-lhe cortile, palavra muito mais simpática –, onde, durante mais de dois séculos, os oratorianos rezaram, passearam, conversaram e certamente também discutiram. Discussões de bom nível intelectual, como competia a quem, graças à generosidade de um humanista português, tinha à mão, em sua própria casa, a maior e a mais bem dotada biblioteca pública, fora dos muros do Vaticano.
Pobre Aquiles Estaço!
Já com o material de trabalho nos braços, antes de me retirar da sala de leitura e estudo, olho pela última vez a expressão daquele sorriso sofrido, que parece trazer consigo todo o desencanto de uma vida em que as amigos se foram escapando, um a um, até fiacrem só os livros.
Os livros, que acabaram também por esquecê-lo, tantas foram as amnésias que os assaltaram, desde que sairam das mãos do seu proprietário.
Sacudo um mau pensamento que me agride com violência, como a querer que a frustração vença a saudade, e os sentimentos com que saio deste edifício da última fase do barroco romano, desdigam de tudo o que vivi o longo destas semanas: momentos altos de encontro com o passado de uma cultura mais que milenar e o presente de uma fé que só para os distraídos se confunde com ela; e ainda, horas de alegria esfusiante com amigos de tantos lados... alguns que teimam em fazer-me crer que não terei o destino de Aquiles Estaço.
Também, diga-se em abono da verdade, as grandes frustrações que emolduram a história de certos personagens têm a medida das suas vidas: quem caminha na planície, não está em perigo de rolar pela encosta abaixo.
Vou guardar as saudades.
Roma é um bom sítio para rezar, estudar e divertir-se com os amigos.
Daqui, deste portal da Chiesa Nuova, um abraço para todos os que me ajudaram viver de modo humano estes dias passados nas margens do Tibre.