Sunday, January 06, 2008

A PERTURBAÇÃO DO PODER


Hoje decidi oferecer aos que por qualquer motivo vierem a este blogue, alguns parágrafos de uma longa reflexão desta manhã, ainda não concluída, porque nela tento reunir pensamentos que vêm de muito longe: alguns já marcados pela frustração dos desejos cujo incumprimento – aqui está uma palavra que repugna à minha sensibildade de amante da língua materna – é irremediável.

Antes de entrar na dinâmica das considerações puramente espirituais, a ordenar mais uma vez os pensamentos que a celebração do mistério há tantos anos desperta no meu coração de crente, apetece-me uma breve reflexão, pessoalíssima, ainda que, segundo creio, respeitadora do texto bíblico; e também, se me não engano, com particular actualidade, tendo em conta as leituras que se fizeram e continuam a fazer, em Portugal, do discurso do Papa aos bispos portugueses, por altura da visita Ad sacra limina Apostolorum.
Contemplo Jerusalém, a cidade santa dos Judeus, como realidade material, humana, cultural, política, religiosa e simbólica, que assim nos fala dela o texto evangélico:
As instituições funcionavam bastante bem, dada a plataforma de entendimento que se conseguira erguer sobre a habilidade política de Roma e o pragmatismo igualmente habilidoso da Sinagoga.
Aparentemente, pelo menos, temos o quadro ideal para o acolhimento devido ao Messias, o Ungido do Senhor, que vinha salvar e dar sentido a tudo isso.
E, no entanto, quando se fala dos sinais da sua chegada, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele.
A mim, o que me espanta é esta perturbação geral:
Que Herodes se perturbasse perante a hipótese de um novo concorrente, não espantaria quem conhecesse a história do seu reinado, vermelho do sangue das vítimas da sua ambição e dos seus medos.
Agora a cidade, com todos os representantes de uma fé e de uma cultura que há séculos vivia da esperança daquela vinda, anunciada pelos Profetas e cultivada por tantos estudiosos, isso é que me espanta.
E espanta-me tanto mais, quanto vemos que, na hora de agir, Herodes recupera o domínio das próprias ideias e organiza o mais maquiavélico dos planos que se conhece na história do mundo ocidental. Um plano que só não atinge plenamente os seus objectivos, porque quem conduz a história é o próprio Deus.
Mas a frieza do tirano não desiste, perante o primeiro fracasso: e Belém, no dizer do evangelista, chorará demoradamente a chacina das suas crianças.
E tudo, pasme-se, utilizando as armas e a impunidade resultantes daquele entendimento entre os detentores dos dois poderes.
Como podia deixar de me doer – e já lá vão muitos anos que me dói – esta tragédia de uma cegueira que parece específica das estruturas bem montadas, das plataformas de entendimento que acabam sempre por servir os filhos das trevas?


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