TRISTEZAS DO CRESPÚSCULO

Também fiquei triste, claro: eu, que nunca quis ver nenhum dos programas sobre essa tal escolha do português mais ilustre, pensei em ver o que havia na televisão – era só para matar a curiosidade, antes de me deitar... até me esquecera de que a “televisão de todos os portugueses” guardara para o dia da comemoração dos cinquentas anos da União Europeia a votação final.
Abri a televisão e dei-me com aquele espectáculo deprimente de pessoas cujo talento merecia melhor aplicação, discutindo uma vitória que, afinal, ninguém – pelo menos durante o tempo que gastei a ver o programa – teve a coragem de vir defender abertamente.
Claro que fiquei muito triste!
Em primeiro lugar, pelo espectáculo... e pelos discursos que ouvi, todos ou quase todos, de uma pobreza confrangedora, quanto a ideias. Eles deram-me, ao mesmo tempo, a principal explicação daquelas votações e consequentemente novos motivos para sofrer com aquelas.
Não fico triste propriamente por ter sido Salazar o mais votado, nem mesmo pensando na percentagem de votos que teve: para mim, qualquer dos três que ocuparam os primeiros lugares merecia outro tratamento: pelo que sei deles, penso que nenhum gostaria de subir ao pódio tendo como fundo a música que se executou na distribuição das medalhas.
Lamentável que os espectadores habituais da televisão pública tenham tão pouca cultura! Repare-se que falo de cultura e não saber... porque isto de escolher pessoas que mereçam o título de maiores portugueses de sempre não é ofício que se cumpra só com os conhecimentos fornecidos por uma televisão que joga sobretudo na busca de audiências, agudizando muitas vezes até ao paroxismo os dados polémicos que, em vez de esclarecerem a verdade, semeiam a confusão.
Gostaria também de frisar que não é o medo de Salazar ou Cunhal que me aflige: o que me atormenta é que este concurso – alguns quiseram tranquilizar-se insistindo que se tratava apenas de um concurso – revela, como, aliás outros concursos que enxameiam por aí, a crescente falta de cultura dos Portugueses. E sem cultura não há cidadania nem identidade nacional que se aguente. Democracia? Ditadura? Isto que significa para um povo que está cada vez mais desenraizado?