resistencia

Thursday, November 12, 2009

LEGITIMIDADES

Claro. As palavras, porque instrumentos de comunicação e instrumentos inadequados, sofrem, não só dessa inadequação, mas também da história, tanto dos indivíduos como da comunidade que as utiliza.
Assim sendo, não vale a pena travar lutas quixotescas contra as marcas que nelas deixam os acidentes de percurso que marcam a vida política, cultural e religiosa dos falantes.
Mas não traria prejuízo nenhum à nação – tomo a palavra com todos os sentidos que tem nesta parte do mundo em que nos calhou viver – que as pessoas, ao utilizar certos termos, pensassem um pouco no seu significado real, que nem sempre dispensa algumas noções de história da língua.
Assaltam-me estes pensamentos a propósito de muita coisa; mas gostaria de deter-me um pouco sobre aquilo que querem significar os políticos e os seus críticos, quando dizem que o Governo tem legitimidade para legislar sobre isto ou sobre aquilo.
Ainda que numa verdadeira democracia não seja o Governo, mas o Parlamento, que detém o poder legislativo.
Se legítimo é aquilo que está segundo a lei – alguns preferem dizer que o que está segundo a lei é lícito, esquecendo mais ma vez a força da história – e o que dá legitimidade a um Governo é lei do voto, é evidente que o Governo que é apoiado pela maioria dos votos tem legitimidade para legislar sobre qualquer assunto que não lhe tenha sido retirado pela própria Constituição.
Em minha opinião, perguntar se o Governo ou o Parlamento têm legitimidade para legislar sobre um assunto, partindo da natureza do assunto, é, pelo menos perder tempo, já que as matérias subtraídas ao poder legislativo não dependem directamente da sua natureza, mas do seu tratamento pelo Constituição.
O pior é que não se perde só tempo; em alguns casos, pelo menos, perde-se também a perspectiva: porque a legitimidade que permite fazer leis, não permite legislar de qualquer maneira, segundo esta ou aquela ideologia, para satisfazer este ou aquele grupo de pessoas.
Para não me alongar, vou buscar apenas um exemplo, algo de que se fala muito, talvez até em excesso, mas cuja problemática, no quadro da legitimidade legislativa, não vi ainda abordar numa perspectiva que levasse os detentores do poder a considerar que, mais do que interrogar-se sobre se é legítimo ou não de legislar, deveriam analisar com verdadeiro sentido ético se as leis que fazem legitimamente são antropologicamente legítimas.
O exemplo que trago é o do chamado casamento dos e das homossexuais:
Pessoalmente sou dos que defendem há muito uma intervenção do poder político nessa matéria. Não entro na discussão sobre a natureza da homossexualidade; mas tem-me preocupado o modo como o fenómeno se equaciona, com as hostes instaladas em dois campos irredutíveis, fazendo dele mais uma questão ideológica, arma de arremesso entre partidos, do que realidade humana a pedir um enquadramento legal que não discrimine ninguém: nem homossexuais nem heterossexuais.
Já agora, acrescento que chamar homófobo a um não homossexual é um insulto que só se tem admitido porque estamos num mundo em que, de facto, são as minorias que discriminam as maiorias.
Voltando à legitimidade do Governo ou do Parlamento para legislar sobre essa matéria, também penso que a tem.
Já não estou tão seguro de que tenham legitimidade para legislar como se preparam para fazê-lo.
Mas isso não se resolve com um referendo, salvo melhor opinião.

Sunday, October 25, 2009

DE NOVO SARAMAGO


A propósito do comentário do Pedro ao meu último Post:

Tenho muitos amigos com o nome de Pedro, entre os quais alguns familiares, que estimo muito.
Não sei se este é um deles, nem naturalmente qual deles é; mas respondo com muita amizade, porque, seja quem for, ficou a merecer-me ainda mais consideração, depois da liberdade com que, pensa ele, discordou de mim. Digo pensa ele, porque, de facto, o que ele comenta não é o meu texto, mas o ambiente criado pelas declarações de Saramago, ambiente do qual também eu me envergonho, ainda que talvez não pelas mesmas razões.

De facto, não foi minha intenção comentar Saramago, mas apenas dizer a um senhor jornalista que, para mim, as declarações do escritor, bem como a generalidade da sua obra, não são nem incómodas nem geniais.
E disse porquê, com a mesma liberdade com que o jornalista fez as referidas afirmações.

Para enquadrar devidamente o discurso, começo por transcrever o texto do meu comentador:
Independentemente da sua opinião, Saramago, como qualquer outra pessoa, tem direito a ela. E neste caso, diga-se em boa verdade que não é uma opinião descabida e muito menos fruto de ignorância. Podemos dizer que é uma leitura diferente da feita por um crente, mas isso não a torna nem melhor nem pior, nem mais nem menos válida. Quanto à sua obra literária leia quem quiser. Não sou fã mas reconheço-lhe valor (e a contar pelos prémios e volume de vendas não sou o único). Quanto à reacção dos responsáveis religiosos e políticos que não tardaram em atacá-lo pessoalmente considero-a irresponsável e uma vergonha, fruto da arrogância própria de quem se acha dono da verdade e se sente intimidado perante a diferença. Além do mais ou têm memória curta ou a crença faz com que seja estrategicamente selectiva pois bem mais graves foram as palavras do Papa Bento XVI quando já na qualidade de representante da Igreja Católica disse que o Corão era um livro carregado de violência e que Maomé apenas trouxe coisas malvadas e desumanas. No meio privado entendo todas as críticas e opiniões, feitas sobre qualquer pessoa ou assunto, desde que sejam honestas e educadas, fazê-lo para a comunicação social é algo totalmente diferente.

Pretende este texto comentar o seguinte:
Volto, passado mais de um mês, só para dizer que o último livro de Saramago não é, como pretendeu aquele jornalista que tive a infelicidade de ouvir, nem incómodo nem genial.
Não é incómodo para mim, como não o é para milhões de crentes, que, ao contrário do que pensa Saramago e tantos ignorantes da nossa praça, sabem que a Bíblia é um conjunto de livros, com uma vastíssima variedade de estilos, mar imenso de elementos culturais; enfim, palavra humana que, e isto só os crentes o entendem, serve de veículo a uma mensagem divina. E, isto também só os crentes o entendem, Deus não selecciona os Seus instrumentos.
Em suma, digamos sem complexos, a Bíblia dos crentes, cristãos, judeus e muçulmanos, pouco ou nada tem a ver com a Bíblia de Saramago.
Também acho que não é genial, embora respeite a opinião contrária dos que estudam a sua obra literária, enquanto literária, com critérios verdadeiramente científicos.
Em meu entender, Saramago, como escritor é pouco original; inclusivamente quanto aos temas, que lhe vêm da moda do disfemismo religioso, do qual imita autores que estão muito acima dele.
Uma coisa me deixa triste, no meio disto tudo: É que um português laureado com o Prémio Nobel da Literatura leia a Bíblia e fale dela como faria um iletrado das nossas aldeias que tivesse perdido a fé numa qualquer encruzilhada desta vida, em que sobram os salteadores.

Sem entrar em questões técnicas, para as quais não tenho competência, direi que o texto bíblico, qualquer que ele seja, se é verdadeiramente bíblico, tem, pelo menos, dois níveis de leitura: o primeiro na ordem da acessibilidade corresponde ao de qualquer outro texto. Sobre ele pode haver todo o tipo de opiniões, consoante a sensibilidade e a cultura de cada um.
Mas há também o nível da revelação divina: e aqui só os crentes têm autoridade para falar.
É desta bíblia que falo quando digo que a Bíblia dos crentes, cristãos, judeus e muçulmanos, pouco ou nada tem a ver com a Bíblia de Saramago. O que não quer dizer que esta, que também é minha quando a leio como simples obra literária, não possa ser objecto de muitas leituras, como qualquer romance, incluindo os de Saramago. Sinto que tenho, pelo menos, uma vantagem em relação a Saramago ou a qualquer outro que leia a Bíblia como simples produto cultural: porque além de crente, que busca no texto bíblico uma mensagem divina, também o estudo em chave cultural. E neste caso, por estranho que pareça, estou muitas vezes de acordo com Saramago.
Mas, de facto, não foi a Saramago que quis responder, nem era minha intenção entrar na polémica gerada pelas suas palavras, mais do que pelo livro, que tem de ser analisado com critérios literários e acabou-se.
Da sua obra disse que a não a achava genial e não retiro uma palavra ao que escrevi, aliás salvaguardando as opiniões de especialistas que pensem de outro modo.
Mas insisto nos critérios literários, que têm de ser intrínsecos à obra. Além disso, com alguma imodéstia, penso que quem dedicou mais de seis décadas aos estudos literários, abrangendo uma grande diversidade de séculos, línguas e culturas, tem pelo menos o direito de opinar prescindindo das cabalas dos prémios e dos jogos de marketing.

A terminar, porque se trata de uma questão de justiça e verdade dos factos, gostaria de convidar o meu comentador e outros leitores a relerem o discurso de Bento XVI, pronunciado na Universidade de Ratisbona, a 12 de Setembro de 2006:
Transcrevo os dois parágrafos que serviram de base para os ataques de que foi alvo.
Diz o Papa, depois de falar na necessidade de um diálogo amadurecido entre fé e razão:
Tudo isto me voltou à mente, quando recentemente li a parte – publicada pelo professor Theodore Khoury (Münster) – do diálogo que o douto imperador bizantino Manuel II Paleólogo teve com um persa erudito sobre cristianismo e islão e sobre a verdade de ambos, talvez durante os acampamentos de inverno no ano de 1391 em Ankara. Presumivelmente terá sido o próprio imperador que depois, durante o assédio de Constantinopla entre 1394 e 1402, escreveu este diálogo; deste modo se explicaria por que aparecem os seus raciocínios referidos de forma muito mais pormenorizada que os do seu interlocutor persa. O diálogo cobre todo o âmbito das estruturas da fé contidas na Bíblia e no Alcorão, detendo-se principalmente sobre a imagem de Deus e do homem mas também – e repetidamente, como era de esperar – sobre a relação entre as três «Leis» ou três «ordens de vida», como então se designava o Antigo Testamento, o Novo Testamento e o Alcorão. Por agora, nesta lição, não pretendo falar disso; primeiro gostava de acenar brevemente a um assunto – aliás bastante marginal na estrutura de todo o diálogo – que me fascinou no contexto do tema «fé e razão» e vai servir como ponto de partida para as minhas reflexões sobre este tema.
No sétimo colóquio (διάλεξις – controvérsia) publicado pelo Prof. Khoury, o imperador aborda o tema da jihād, da guerra santa. O imperador sabia seguramente que, na sura 2, 256, lê-se: «Nenhuma coacção nas coisas de fé». Esta é provavelmente uma das suras do período inicial – segundo uma parte dos peritos – quando o próprio Maomé se encontrava ainda sem poder e ameaçado. Naturalmente, sobre a guerra santa, o imperador conhecia também as disposições que se foram desenvolvendo posteriormente e se fixaram no Alcorão. Sem se deter em pormenores como a diferença de tratamento entre os que possuem o «Livro» e os «incrédulos», ele, de modo surpreendentemente brusco – tão brusco que para nós é inaceitável –, dirige-se ao seu interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião e violência em geral, dizendo: «Mostra-me também o que trouxe de novo Maomé, e encontrarás apenas coisas más e desumanas tais como a sua norma de propagar, através da espada, a fé que pregava» O imperador, depois de se ter pronunciado de modo tão ríspido, passa a explicar minuciosamente os motivos pelos quais não é razoável a difusão da fé mediante a violência. Esta está em contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma. Diz ele: «Deus não se compraz com o sangue; não agir segundo a razão – «σὺν λόγω» – é contrário à natureza de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Por conseguinte, quem desejar conduzir alguém à fé tem necessidade da capacidade de falar bem e de raciocinar correctamente, e não da violência nem da ameaça... Para convencer uma alma racional não é necessário dispor do próprio braço, nem de instrumentos para ferir ou de qualquer outro meio com que se possa ameaçar de morte uma pessoa...».
Não quero substituir-me à análise de quem se dispuser a ler o texto; permito-me apensa antecipar duas observações:
Em primeiro lugar, de facto, na Universidade de Ratisbona, Bento XVI não fala na qualidade de representante da Igreja Católica, mas como Professor daquela Universidade, que profere a tradicional lição de despedida; lição que não proferira quando deixara a cátedra para assumir as funções de Arcebispo de Munique-Freising.
Estamos assim, como é fácil de perceber, perante um texto privado, que não pode em caso nenhum ser visto como tomada de posição da Igreja, que o autor não representa ao falar como catedrático de uma Faculdade, ainda que seja de Teologia.
Mas o mais importante é que o Prof. Joseph Ratzinger não faz nenhuma das afirmações que lhe são atribuídas.
Lendo bem o texto, sem ideias preconcebidas, pode até dizer-se que rejeita essas afirmações, já que rejeita o tom do imperador e chama a atenção para o facto de ele omitir precisamente o que diz o Alcorão contra a violência na propagação da fé.
Realmente, do que se trata, na conversa do imperador bizantino com o intelectual persa, é da ilegitimidade da jihad, a guerra santa islâmica, que, como frisa Bento XVI, não está de acordo com o próprio Alcorão.
Finalmente, o tema do discurso do Papa, que não fala na sua condição de Papa, é precisamente a necessidade de evitar que a fé se transforme em fanatismo, e a razão em tirania, o que só se consegue com o diálogo amadurecido entre as duas.
Com um grande abraço de amizade
AAP

Monday, October 19, 2009

NEM INCÓMODO NEM GENIAL


Volto, passado mais de um mês, só para dizer que o último livro de Saramago não é, como pretendeu aquele jornalista que tive a infelicidade de ouvir, nem incómodo nem genial.
Não é incómodo para mim, como não o é para milhões de crentes, que, ao contrário do que pensa Saramago e tantos ignorantes da nossa praça, sabem que a Bíblia é um conjunto de livros, com uma vastíssima variedade de estilos, mar imenso de elementos culturais; enfim, palavra humana que, e isto só os crentes o entendem, serve de veículo a uma mensagem divina. E, isto também só os crentes o entendem, Deus não selecciona os Seus instrumentos.
Em suma, digamos sem complexos, a Bíblia dos crentes, cristãos, judeus e muçulmanos, pouco ou nada tem a ver com a Bíblia de Saramago.
Também acho que não é genial, embora respeite a opinião contrária dos que estudam a sua obra literária, enquanto literária, com critérios verdadeiramente científicos.
Em meu entender, Saramago, como escritor é pouco original; inclusivamente quanto aos temas, que lhe vêm da moda do disfemismo religioso, do qual imita autores que estão muito acima dele.
Uma coisa me deixa triste, no meio disto tudo: É que um português laureado com o Prémio Nobel da Literatura leia a Bíblia e fale dela como faria um iletrado das nossas aldeias que tivesse perdido a fé numa qualquer encruzilhada desta vida, em que sdobram os salteadores.

Thursday, September 17, 2009

REGRESSO


Na margem, para continuar
Foi uma ausência particularmente longa, que também deu para descanso dos que eventualmente visitam este blogue.
Para mim foram dias atribulados, ainda que sem nada que se pareça com aquele afundar-se de Simão Pedro, que quase se arrependeu de pedir ao Mestre que chamasse por ele.
Não, foram tribulações bem à minha medida, suficientes, no entanto, para experimentar a solidariedade dos amigos, que constitui o prolongamento carinhoso da misericórdia divina, à qual tive de recorrer em momentos de maior agitação das ondas.
Algumas vezes estive para desistir de lagumas batalhas, nomeadamente as que dependem tanto da informática.
Mas os dias em que fui forçado a gastar o tempo olhando para dentro de mim, fizeram-me ver melhor o que significa não morrer quando queremos.
Por isso aqui estou de novo.
Verdade se diga que o momento não é dos melhores: a gente traz a cabeça em água, afundando-se nas enxurradas quase mortíferas dos discursos eleitoralistas. Um complemento de força para resistir à tentação de entrar na liça. porque, a menos que aconteça algo de inesperado, há muito que o debate perdeu interesse.

Wednesday, August 19, 2009

SÓ UM DESABAFO

Minha mãe, que foi o primeiro e talvez o maior mestre que tive, em toda a minha vida, dizia muitas vezes, para que aprendêssemos a não nos retermos no que parecia não ter saída, que o que não tem remédio remediado está.
Meu Deus, como tenho pensado nisto esta tarde!
Porque me assaltaram a residência e, entre outras coisas, me levaram o computador portátil, com mais de cem dias de trabalho... imensas e variadas coisas que não poderei recuperar.
Os amigos que conhecem alguns temas aí tratados poderão dizer que assim já não preciso de destruir o que eu próprio destinava a isso: aqueles exrcícios de escrita que eram apenas execícios... de escrever e de pensar: uma espécie de recuperação meditativa do passado. E têm razão. Quem sabe se não foi para isso mesmo que me furtaram a máquina?
O problema é que essas centenas de páginas não passam de um grão de areia no conjunto dos milhares perdidos!
Enfim, quando se olha já para o pôr do sol da vida, fica-se a duvidar se valerá a pena recomeçar.
O que não tem remédio remediado está. Talvez seja altura de organizar o programa crepuscular, porque crescem a sombras no horizonte.
É só um desabafo paar algum amigo que passe por este blogue.
Leiria, 19 de Agosto de 2009

Thursday, July 30, 2009

PARA O ANO SACERDOTAL



O texto que se segue tem quase dezasseis anos e não é pura fantasia: nasceu num momento extremamente doloroso.
Ao relê-lo, entre a festa litúrgica de dois antos, pareceu-me oportuno torná-lo público mais umas vez - esta é a segunda publicação - no ano sacerdotal, como sinal de gratidão para com tanta alma santa e desconhecida das multidões, que ajuda os padres a serem amis padres.
Sem ruído de palavras, o grito dos corações que amam
Eram os pinhais da minha infância! Terrenos acidentados, encostas e vales, as quebradas que haviam escutado os primeiros gritos de revolta e os sonhos duma adolescência atribulada, empurrando para a frente a juventude, que ali, nos inícios da década de cinquenta, se tornava verdadeiramente estranha, intrigante, até para mim.
Agora passava por aqueles caminhos novos, sorria aos sonhos de há quarenta anos e misturava a saudade com os ecos felizes do encontro de família onde todos queríamos gozar a recordação das origens: celebravam-se os anos, de nascimento, de vida matrimonial, de recepção do sacramento da Ordem, tanta efeméride que se desejava manter viva. Parei no cimo da colina, e quando me vi só, recordando a festa e as suas motivações, pensei que havia necessidade de fazer silêncio.
Isso mesmo: calar a festa, para que nos não esqueçamos de agradecer a Deus. Porque tudo nos vem d’Ele, até a possibilidade de recordar com alegria datas históricas que às vezes os acidentes da vida ou a maldade dos homens transformam em marcos dolorosos. Calem-se os ruídos da alegria, para que nos não esqueçamos das raízes dela.
***
Depois, foi o correr normal dos dias: eram ainda as férias, mas diluindo-se já no choque das labutas e dos interesses que as provocam. Vieram os ruídos: o homem troca a alegria de conviver pela crueldade de ferir. Voltei àqueles pinhais, aos vales e às encostas do berço, sem o qual não consigo aguentar a cama de adulto. E apeteceu-me gritar, com mais força ainda: cale-se o alarido do escândalo, para que vejamos a nossa maldade!
Não sei como foi. Há tanta coisa nesta vida que foge quando queremos analisá-la...
Mas era inconfundível aquele sorriso: num rosto que não poderei nunc esquecer, porque pertence à paisagem da minha adolescência desencantada, quando o era, tão habilidosa combinação da alegria com a dor.
Estaa ali, ao virar da esquina, como há vinte, vinte e cinco, trinta anos... isso, trinta anos exactos, animando-me a prosseguir, porque me não faltaria o fogo do amor de Deus que lhe ardia no coração nem a caridade das orações que esse mesmo fogo inspirava.
Deitei a mão ao bolso e encontrei, entrte os papéis que lançara nele semanas antes, algumas notas rabiscadas de outros apontamentos íntimos:
Eu quero passar a minha vida sofrendo pelos pecadores e pelos sacerdotes.
Palavras de uma jovem de vinte e poucos anos, que, quatro décadas mais tarde, quando a doença a retinha no leito de dor, longe de Jesus Sacramentado, escrevia de novo: Senhor, se me fosse possível, passaria este dia junto do sacrário a pedir-Vos pela Santa Igreja... Aceitai este dia, meu Jesus, pelos sacerdotes, pelos Vossos Padres, pelo Santo Padre. ÓMaria, Rainha do Clero, ajudai os Padres, para que sejam Santos, para que a Santa Igreja renasça com mais esplendor.
Tive vontade de chorar, porque me senti, mais uma vez, profundamente indigno de uma Igreja que tem almas tão grandes. Mas vi de novo esse encantador sorriso de dor e alegria. E pensei que estava a ser cobarde, dissimilando o medo com a máscara da humildade.

Wednesday, July 29, 2009

RECOMEÇAR

Para resistir, resistir

Foi o desejo de resistir ao desgaste da memória que fez surgir este blogue,que, por isso mesmo, era uma espécie de locutório onde se tentava quebrar a solidão necessária com as palavras livres, escusadas, quiçá mesmo inúteis.
Depois, esta sensação de inutilidade foi contaminando os outros blogues... e a abundância de temas era quase sempre força inibidora, porque abundavam também as razões ou, talvez melhor, os motivos de silêncio: estar calado já não era só o mais cómodo; parecia também o mais útil.
Conversas de quem é pessimista, dirão os que me conhecem, se é que algum se atreve a visitar esta minha Resistência.
Pois. Eu quero precisamente resistir ao pessimismo, naquilo em que ele pode ser falta de Esperança, virtude sobrenatural, bem entendido, mas que não cabe em quem por sistema contempla o mundo com olhar vesgo: o que tanto acontece quando se realça demasaido o negativo, como quando se não vê senão o positivo. Também existe uma esperança humana, como se pode falar de um optimismo natural; mas, para além da desconfiança que nutro em relação a todos os –ismos, parece-me que, em última análise, é o horizonte sobrenatural que ajuda a esperar contra toda a esperança, como diria o Apóstolo dos Gentios, alimentando assim as raízes do verdadeiro optimismo.
Vou por isso escrever aqui, de vez em quando, sem ritmo certo, mas sempre com o desejo de não me deixar esmagar por nenhum dos dinamismos que reduzem a nossa capacidade de pensar. Como, além de outros objectivos, queria com este blogue abrir alguns janelões no cenóbio em que me vai encerrando a idade... e o resto, que é do conhecimentodos amigos, se algum dos meus visitantes quiser dar sinal, ainda que seja só para me dizer o que eu já sei – que isto não vale nada – ficar-lhe-ei muito grato.

No dia da Santa Marta, fugura do discípulo que tende a antepôr o mais urgente ao mais importante.
Augusto Pascoal