Thursday, September 20, 2007

MEMÓRIAS DA INFÂNCIA



Para ajudar a memória a resistir ao desgaste do tempo, há anos que vou escrevendo textos em vário estilos: Diário, Memórias, Reflexões soltas, à mercê dos acontecimentos. Tudo para entretenimento pessoal. Aos visitantes dos meus blogues já ofereci algumas páginas do diário. Agora vão alguns rabiscos das memórias: factos e metáforas que cada um lerá como achar melhor, com inteira liberdade.

O BANDO

Éramos quatro, com diferenças de idade que não iam além dos dois anos.
Eu era o mais velho, o que, dado o meu feitio, não me trazia vantagens de espécie nenhuma; só desvantagens, como a de ser permanentemente responsabilizado pelas desordens do grupo.
O mais mimado, filho único de pais abonados, um pouco acima da média, vinha logo a seguir.
Depois era o meu irmão, talvez o mais ladino de todos, ainda que seguido muito de perto, na idade e nas iniciativas pelo primo.
Primo... afinal éramos todos parentes: porque o outro, que parecia um pouco mais distante, era, pelo lado da mãe, neto dos irmãos dos nossos avós.
E divertíamo-nos imenso... até quando eu me afligia com o pressentimento de que certas brincadeiras iriam acabar mal.
Mas nosso parente mais distante ficava muitas vezes para trás, sem saber explicar porquê: analisando os factos passadas mais de seis décadas, dou-me conta de que o cordão umbilical, quando não cortado a tempo, atrofia o desenvolvimento do ser humano; e atrofia-o precisamente naquilo em que, para ser adequado à natureza, esse desenvolvimento mais depende do tempo e do aproveitamento das oportunidades reais: ou seja, na paternidade/maternidade e na filiação.
Será esta uma das consequências fatais da existência de um único filho no seio do casal?
Ele era bom rapaz; nem parecia especialmente egoista: tinha muita coisa que nós não podíamos ter, mas nunca me pareceu particularmente feliz por isso; às vezes dava até a impressão do contrário. Uma certa tristeza por ter o que não tínhamos... ou talvez porque isso não nos importava absolutamente nada.
Mas era de uma incapacidade de decisão que chegava a irritar-nos: porque a minha mãe para aqui, a minha mãe para ali... E havia ocasiões em que ficávamos com medo que as aventuras menos confessáveis chegassem aos ouvidos dos nossos pais através daquela mãe, que ainda hoje me vem inevitavelmente à memória, sempre que se fala de amor materno excessivamente possessivo.
Assim que naquele bando de crianças, no tempo em que não havia televisão nem computadores, e o rádio, o comum das pessoas da aldeia, pura fantasia, a alegria de conviver, até para o que não seria assim tão correcto, sobretudo na mente dos adultos, tinha as proporções do agregado familiar: mais crianças, mais imaginação, mais alegria.

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