Monday, September 03, 2007

HORIZONTES DE ESPERANÇA



Estamos no fim do Verão. Não vale a pena querer alterar o calendário, nem mesmo quando os boletins meteorológicos nos prometem isto e aquilo, a favor de umas férias que já passaram, com o mar cada vez mais distante: no meio de tudo, inquieta-me apenas que o consumismo continue ganhando terreno; o que signfica a permanência da desumanização da vida.
Páro alguns minutos contemplando o grande crucifixo da igreja, mergulhada numa penumbra esatégica: meio de evitar o aquecimento exagerado do espaço.
Para mim, um crucifixo é muito diferente de uma cruz nua, como aquelas que a progressiva protestantização de certos ambientes religiosos pôs em moda.
Claro. Piores ainda, para a minha sensibilidade de crente, são as cruzes que exibem uma imagem tão estranha de Cristo, dependente de tão peculiares cânones artísticos, que não consigo descodificar a sua mensagem a tempo de reconfortar a minha fé.
Não era assim o grande crucifixo diante do qual me pus em oração esta tarde: o artista, sem exibicionismos provocantes, preocupara-se com reproduzir a serenidade que, apesar da morte, conserva o rosto daquele que dissera, ao despedir-se dos amigos: «Anunciei-vos estas coisas para que, em mim, tenhais a paz. No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: Eu já venci o mundo!» (João: 16, 33).
E lembrei-me de que há precisamente 1417 anos, o clero romano escolhia para seu bispo Gregório, patrício que, após larga experiência na administração, decidira entregar-se a Deus na vida monacal. Ao mosteiro fora buscá-lo, para difícil missão diplomática, o seu antecessor, que pouco depois morria vítima da peste, como muitos outros habitantes da velha Roma.
Esta, como todo o mundo ocidental, não passava de um montão de ruínas.As estruturas do império haviam-se afundado por completo, e já não valia a pena esperar a ajuda de Bizâncio, que, afinal, no Ocidente nunca procurara mais do que satisfação para as suas ambições políticas e religiosas.
Gregório, entre a incompetência dos exarcas bizantinos e o perigo das invasões dos povos do norte, percebe que tem de salvar, ao mesmo tempo, o cristiansimo e a herança cultural que lhe servira de discurso nos cinco séculos precedentes: envia missionários para as zonas ainda não evangelizadas do Ocidente e organiza a vida cultural, de modo que não falte à fé das nações que vão surgindo das ruinas, uma estrutura que lhe permita uma autêntica encarnação na vida individual e comunitária.
Esperança e coragem operativas, que estão na raiz daquela unidade a que, precisamente dois séculos depois, um sucessor seu, menos feliz na acção, mas igualmente lúcido, perante o perigo islâmico, quis mobilizar com o nome de Europa.
São Gregório Magno, viria a morrer em 604, nas vésperas da avalanche muçulmana – Maomé contava então trinta e quatro anos – que viria a ser detida precisamente pelo mundo cultural e religioso de que ele lançara as raízes.

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