Friday, June 29, 2007

SÃO PEDRO E SÃO APULO


Ansioso? Porquê?

Como há muito que não digo nada neste espaço – por falta de tempo e não por falta de tema – decidi oferecer hoje aos visitantes mais teimosos e, consequentemente, mais fiéis, uma página do meu diário, que não é só, como já terão notado esses amigos, um repositório de memórias.
Esta manhã, pisando a velha calçada da estreita Rua das Olarias, entre prédios antigos, uns exbindo despudoradamente a sua velhice e o desleixo de proprietários e inquilinos, outros, de forma ainda mais despudorada, mostrando os retoques com que fingem de novos, dei comigo a pensar nos textos da missa: esta solenidade de São Pedro e São Paulo que a nossa memória cultural desfigura com uma enorme quantidade de caricaturas.
Destas, a grande vítima é Pedro; mas Paulo, o maior evangelizador das comunidades não hebraicas, só se pode dizer favorecido, porque, em meu entender, o esquecimento é preferível às deturpações da imagem.

São Pedro e São Paulo.
A leitura do livro dos Actos, 12, 1-11 (versão litúrgica):
Naqueles dias, o rei Herodes começou a perseguir alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João, e, vendo que tal procedimento agradara aos judeus, mandou prender também Pedro. Era nos dias dos Ázimos. Mandou-o prender e meter na cadeia, entregando-o à guarda de quatro piquetes, de quatro soldados cada um, com a intenção de o fazer comparecer perante o povo, depois das festas da Páscoa. Enquanto Pedro era guardado na na prisão, a Igreja orava a Deus, instantemente, por ele. Na noite anterior ao dia em que Herodes pensava fazê-lo comparecer, Pedro dormia entre dois soldados, preso a duas correntes, enquanto as sentinelas à porta guardavam a prisão. De repente, apareceu o Anjo do Senhor, e uma luz iluminou a cela da cadeia. O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no ombro e disse-lhe: «Levanta-te depressa!» E as correntes caíram-lhe das mãos. Então o Anjo disse-lhe: «Põe o cinto e calça as sandálias.» Ele assim fez. Depois, acrescentou: «Envolve-te no teu manto e segue-me.» Pedro saiu e foi-o seguindo, sem perceber a realidade do que estava a acontecer por meio do Anjo: julgava que era uma visão. Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro, que dá para a cidade, e a porta abriu-se por si mesma diante deles. Saíram, avançando por uma rua, e subitamente o Anjo desapareceu. Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei realmente que o Senhor enviou o seu Anjo e me libertou das mãos de Herodes e de toda a expectativa povo judeu.»

A esta narrativa respodemos com o versículo 5 do salmo 34(33), que, na sua versão litúrgica diz: O Senhor libertou-me de toda a ansiedade.
Claro. Depois de ouvirmos contar de forma tão pormenorizada o modo como Deus libertou Simão dos intuitos assassinos de Herodes, é compreensível que interpretemos salmo e refrão como referindo-se à queda das cadeias e à fuga da prisão.
Não vamos negar que isso terá estado na mente dos autores da reforma litúrgica. Mas não podemos esquecer o que se diz no versículo 6 da narração: Pedro dormia entre dois soldados, preso a duas correntes, enquanto as sentinelas à porta guardavam a prisão.
Na realidade, que há de mais espantoso em todo este episódio? Não será precisamente a serenidade com que Simão assiste ao desenrolar dos acontecimentos? Acontecimentos que, segundo a lógica humana, não tinham outra saída senão a morte.
Penso nisto, enquanto espero que passe um automobilista apressado, que não respeita a prioridade dos peões.

Simão dorme tranquilo: Porque o Senhor, única razão das suas cadeias, o libertou da angústia, que poderia vir do medo ou da consciência de que não estava de bem com Deus. Mas estava, porque fora preso por causa d’Ele.
Reparo que os medos da minha caminhada, a ansiedade quase patológica com que remexo nos becos sem saída que a comunicação social cria a cada momento, não ficam bem em pessoas livres que podem gritar como Paulo: Quanto a mim, já estou pronto oferecido em libação, e o tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé (2 Tim 4, 6-7).

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