Tuesday, December 13, 2005

OS DEFICES DE PORTUGAL


Eu que fiz Portugal e que o perdi
em cada porto onde plantei o meu sinal.
Eu que fui descobrir e nunca descobri
que o porto por achar ficava em Portugal.

Eu que matei roubei eu que não minto
se vos disser que fui pirata e ladrão.
Eu que fui como Fernão Mendes Pinto
o diabo e o deus da minha peregrinação.

(Manuel Alegre, do poema, Lusíada Exilado)

Está em moda falar-se de défice por toda a parte – os meus amigos do liberalismo linguístico diriam, por tudo quanto é sítio… É o défice nas finanças, o terrível défice das contas públicas, que parece medrar com as referências que lhe fazem políticos e economistas, o défice da balança comercial, o défice de cultura que amarfanha regiões e povos… e, veja-se, o défice de democracia, que alguns gostam de atribuir a certas formas de autonomia regional.
Ainda se não tinha dado o nome a uma das mais crónicas doenças deste país à beira mar plantado, ao cantar o qual, Camões, põe em realce, com a perspicácia do seu génio e grandeza inultrapassada do seu canto.

Enfim, não houve forte capitão,
Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega, ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão somente.
Sem vergonha o não digo, que a razão
De algum não ser por versos excelente,
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque, quem não sabe arte, não na estima.

Como disseram outros, com mais ciência do que eu, sob esta referência de Camões ao desprezo da poesia, há a denúncia a vários vícios da governação pública que, desde o século XVI, não têm feito mais do que agravar-se. E o resultado tem sido, como seria inevitável, a progressiva perda da identidade nacional.
Veio agora um candidato à Presidência da República, que também é poeta – por vezes com sabor camoniano – no calor da polémica sobre os défices que nos amarguram os dias, dizer alto e bom som, que o pior dos nossos défices é o défice de Portugalidade. Não sei exactamente o quis dizer Manuel Alegre, que leio com agrado há muitos anos, ao empregar a expressão… ele diz da, não de; mas se percebi aonde queria chegar, parece-me que a ausência de artigo ficaria melhor; está, pelo menos mais de acordo com o que eu próprio quero dizer quando afirmo que, neste ponto, o candidato à Presidência tem razão. Só não sei – e não saber é muito mais negativo do que duvidar – só não sei se será votando nele que estaremos a caminho de resolver esse défice.
Porque está ideologicamente muito perto dos que, nas últimas décadas, têm confundido democratização do ensino com descida de nível das respectivas exigências; e acabam de anunciar o fim da obrigatoriedade do Português para cursos frequentados por uma grande parte dos jovens portugueses.
Os versos de Manuel Alegre que transcrevo no início fazem parte de um poema que considero emblemático, sobretudo pelo enorme conjunto de referências culturais e históricas que contém, com uma muito feliz intuição sobre o que define o modo português de estar no mundo.
Mas duvido - aqui trata-se de uma verdadeira dúvida – que a política educacional seguida pela maioria dos que pertencem à sua área ideológica ajude as futuras gerações a entendê-lo.
Não escrevi uma linha sequer com intuitos eleitorais.
Só gostaria que se pensasse mais no que realmente faz de Portugal um país dependente. Porque se fosse a pobreza natural dos nossos recursos, não teríamso satdo tão sujeitos à Europa no século XVIII, como estivemos.

4 Comments:

Blogger PA said...

Esta "posta" faz-me pensar o quão andamos a precisar de políticos que sejam poetas, ou melhor, de poetas que assumam lugares de governação. Acho que o grande erro da política é fugir da capacidade de sentir, de errar, admitir o erro e falar sobre ele.
Infelizmente, Manuel Alegre, não é um poeta que exerce política. Ora politiza, ora poetisa; e separando os dois homens ficamos apenas com metade dele.

7:34 AM  
Blogger Augusto Ascenso Pascoal said...

Pois, meu caro P.A., se não me engano, estamos de acordo. Penso que entendeste que, bem lá no fundo, o que me chamou a atenção no discurso do poeta que politiza, foi precisamente isso: assim como há tecnocratas que choram lágrimas de crocodilo perante a crise económica e financeia do país,também há "humanistas" que as choram e aos berros, perante a perda de identidade que nos anula no concerto das nãções.Aliás, eu digo isso mesmo, a terminar, ainda que de outro modo.
Agora, se tu me permitisses, gostaria que desfizesses um eqívoco que nasce de um pequeníssimo pormenor: dizes "poetisa"; será isso que queres dizer? Não será antes poetiza? Desculpa. Era só para ficar mais claro; porque a primeira também seria possível,numa cambalhota de ironia que, para ser honesto, creio que não é merecida pelo poeta em questão.

5:18 PM  
Blogger PA said...

pois... realmente quis dizer "poetiza" de poetizar... bem sabemos que poetisa é uma mulher que poetiza... :)

6:26 AM  
Blogger Manuel said...

Olá,
Vim parar ao seu blogue por acaso. Tomei a liberdade de o linkar no meu..

6:52 AM  

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