Thursday, October 30, 2008

DESMITIFICAR A HISTÓRIA




Da Ponte Mílvio à brecha da Porta Pia
Mais uma vez, não resisto à tentação de oferecer aos visitantes deste blogue uns parágrafos da página do meu diário pessoal dedicada aos santos Simão e Judas, 28 de Outubro, quando me preparava para encerrá-la.

De repente veio-me à ideia que passam hoje mil seiscentos e noventa e seis anos – quase mil e setecentos - sobre a derrota e morte de Maxêncio frente ao exército de Constantino, seu rival na luta pela hegemonia sobre a parte ocidental do Império.
E a memória atira mais uma vez comigo para trás, para o início da década de sessenta do século passado: Roma, apesar dos seus dois milhões de habitantes, era ainda uma cidade acolhedora, e nós podíamos preencher as horas que o estudo nos deixava livres, para ver nas pedras muito daquilo que lhe dá jus ao título de cidade eterna.
Numa pacata tarde de domingo, céu de cores esbatidas, sol outonal, temperaturas quase primaveris, subimos pela margem esquerda do Tibre, até à reconstruída Ponte Mílvio.
Falámos da luta pelo poder ao longo dos quase dois mil anos de história do Império Romano, demorando-nos um pouco nas lendas que adornam a queda de Maxêncio e a chegada a Roma do filho de Constâncio Cloro: o ambicioso Constantino, que, apesar do apoio que lhe dera o Ocidente, não morria de amores pela cidade do Tibre e acabou por preteri-la a favor do miradouro do Bósforo, que honrou com a sua presença e o seu nome.
Éramos ainda muito jovens, e a história, quer dos povos, em geral, quer da Igreja, em particular, não fazia parte dos estudos que nos havima levado àquela cidade: falávamos quase só por intuição, tentando estremar eventos, factos e lendas, para uma interpretação minimamente objectiva, não tanto da tomada do poder por Constantino, como sobretudo da história do Ocidente, após essa tomada.
Com tanta juventude, não podia deixar de ser demasiado ingénua a nossa leitura.
No entanto, hoje, volvidos mais de quarenta anos, que foram também de estudo e reflexão, parece-me que, no essencial, as nossas intuições iam na direcção certa:
Primeiro, a luta entre Constantino e Maxêncio, não teria tido um significado mais transcedente do que uma infinidade de outras que e a precederam e seguiram, à volta de Roma e daquilo que, desde a mais remota antiguidade, ela significava para todo os povos da bacia do Mediterrâneo.
Depois, ligar o triunfo de Constantino a um pretenso triunfo do cristianismo, teria sido um daqueles equívocos que surgem em certas épocas da história e que se matêm por interesses inconfessáveis de ideologias que se servem deles tanto para condenar como para exaltar acontecimentos e heróis.
Escrevo isto agora, um pouco pelo orgulho, Deus me perdoe, que sinto nessas intuições dos dois jovens de batina, era assim que na altura se vestiam os alunos das faculdades eclesiásticas de Roma, junto da velha e renovada Ponte Mílvio.
Ou eu me engano muito ou o cristianismo não ganhou mais com a tomada da Ponte Mílvio por Constantino, em 312, do que perdeu com a brecha da Porta Pia, em 1870.
Falta apenas que alguém, com tempo e competência, empreenda um tarbalho sério de desmitificação dessa ponte e dessa porta.

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