REQUIEM POR UMA EURTOPA QUE JÁ FOI

São as últimas cenas da Carmen de Bizet: como sempre, a força mágica dos sons prendem-me ao fim trágico dos dois amantes – talvez a cigana de Merimé não seja a figura mais trágica do drama - e penso no outro herói espanhol, que vem de Tirso a Mozart, passando por Zorrilla... Carmen e Don Juan (de El Burlador de Sevilla a Dom Giovanni). Depois, o pensamento alarga-se: Fernão Mendes Pinto, Calderón, Cervantes...
Deixo de lado esse texto tão mal tratado pelos que falam a língua em que foi escrito, e fixo-me nos temas da cultura espanhola, para não misturar coisas que, apesar daquilo que as apoxima, podem distrair-nos do essencial.
Carmen e El Bulrador de Sevilla... há quem os refira como dois tipos de amor à espanhola: sem cálculos nem medida; até à morte.
Eu diria antes: dois tipos de amor trágico, como é quaqluer paixão sem limites, quando tudo se confina no quadro da existência intramundana... e quanto mais total for a entrega, maior é a experiência de insatisfação, porque só em Deus uma entrega total é, ao mesmo tempo, recuperação total.
Verdade que se esconde por detrás de inúmeros tópicos literários, alguns recuperados pelos românticos, talvez nem sempre conscientes da seiva que lançavam nas veias de uma cultura que, apesar das particulariades nacionais, assim se tornava cada vez mais igual, sem deixar de ser diferente.
Era a Europa, que antes de ser a Europa das Nações, como queria De Gaulle, fora a Europa dos valores.
Esta, que os políticos teimam em construir à revelia dos cidadãos, está cada vez mais vazia, mais descolorida, porque cada vez menos autêntica.
E será que a Espanha, que parece ir na frente desta corrida para o esvaziamento e o descolorido, guardará alguma coisa desse imenso repositório de dados que, sobretudo nos últimos séculos, fascinaram pensadores e artistas, na busca da complexidade do ser humano.
É uma pena que se deixe ir assim ao fundo todo um continente, cada vez menos capaz de responder ao que o mundo dele legitimamente espera.